domingo, 9 de dezembro de 2012

Avaliação Desmistificada - Charles Hadji



 
RESENHA:

HADJI, Charles. Avaliação desmistificada. Trad. Patrícia C. Ramos. Porto Alegre: Artmed Editora, 2001.
A avaliação torna-se formativa na medida em que se inscreve em um projeto educativo específico, o de favorecer o desenvolvimento daquele que aprende, deixando de lado qualquer outra preocupação.
(HADJI, 2011, p. 20)

O livro Avaliação Desmistificada, de Charles Hadji, possui 136 páginas e é dividido em duas partes. A primeira, “Compreender”, possui três capítulos: Capítulo 1: Compreender que a avaliação formativa não passa de uma “utopia promissora”; Capítulo 2: Compreender que avaliar não é medir, mas confrontar em um processo de negociação; e Capítulo 3: Compreender que é possível responder a três questões pertinentes. A Segunda Parte, “Agir”, apresenta os próximos quatro capítulos, totalizando sete capítulos ao todo: Capítulo 4: Agir desencadeando de maneira adequada; Capítulo 5: Agir observando/interpretando de maneira pertinente; Capítulo 6: Agir, comunicando de modo útil; e, por fim, Capítulo 7: Agir remediando de modo eficaz. Como todo livro, há uma introdução que precede e uma conclusão que segue os sete capítulos principais.
Na Introdução, intitulada “Da utopia à realidade: seria finalmente possível passar à ação?”, Hadji discute a possibilidade de uma avaliação que seja “capaz de compreender tanto a situação do aluno quanto de “medir” seu desempenho; capaz de fornecer-lhe indicações esclarecedoras, mais do que oprimi-lo com recriminações; capaz de preparar a operacionalização das ferramentas do êxito, mais do que resignar a ser apenas um termômetro (até mesmo um instrumento) do fracasso” (HADJI, 2001, p. 9) seriam meios de uma pedagogia, enfim, eficaz. A avaliação serviria, portanto para levar o aluno à compreensão de seus erros e não mais cometê-los, e progredir, ao invés de ser tida como “perda de tempo” ou “peso desnecessário”. É nessa direção que se fala em evolução na questão da avaliação e que Hadji propõe nessa introdução a discutir em sua obra.
No Capítulo 1, intitulado Compreender que a avaliação formativa não passa de uma ‘utopia promissora’, Hadji declara que a questão da avaliação é multidimensional, ou seja, pode ser compreendida de diversos meios, sendo que, nessa obra, a mesma será abordada sob o ângulo das convicções já sedimentadas a seu respeito. De tal modo, será avaliada sob dois tipos de considerações: examinando os fatos e a essência das atividades envolvidas. Para Hadji “aqueles que acreditam na necessidade de uma avaliação formativa afirmam a pertinência do princípio segundo o qual uma prática – avaliar – deve tornar-se auxiliar de outra – aprender” (HADJI, 2011, p. 15). Segundo Hadji, é desejável que a avaliação, em um contexto de ensino, tenha por objetivo contribuir para a construção de saberes e competências pelos alunos e segue buscando definir o que é “avaliação formativa”. Destaca, pois, as noções de avaliações implícita, espontânea e instituída. Os exames escolares encaixam-se nesse perfil de avaliação instituída em detrimento, por exemplo, das avaliações espontâneas (que não repousam sobre nenhuma instrumentalização específica). Na sequência, traz os conceitos de avaliação de referência normativa (que impõem normas, socialmente organizada, anunciada e executada) e avaliação de referência criteriada (que aprecia um comportamento, um critério ou alvo a ser atingido). Segue definindo o que é avaliação prognóstica, formativa e cumulativa e a avaliação formativa como utopia promissora. A avaliação prognóstica , ou diagnóstica precede a ação de formação e identifica certas características do aprendiz e faz um balanço, mais ou menos aprofundado, de seus pontos fortes e fracos (HADJI, 2011, p. 19). A avaliação formativa tem esse nome, pois tem por função “contribuir para uma boa regulação da atividade de ensino (ou de formação, no sentido amplo)” (HADJI, 2011, p. 19). A avaliação cumulativa, por sua vez, tem por função “verificar se as aquisições visadas pela formação foram feitas” (HADJI, 2011, p. 19). Para o autor, uma avaliação que não seja seguida por modificações ou intervenções por parte do educador não pode ser considerada formativa! Hadji fecha esse capítulo refletindo sobre os obstáculos à emergência de uma avaliação formativa. Entre os quais há a existência de representações inibidoras, como é o caso da exigência de certificação de seleção ou mesmo a preguiça ou medo dos professores, que não ousam remediar ou intervir de modo eficaz em sua prática pedagógica. Portanto, a avaliação formativa não é mais do que “uma utopia promissora, capaz de orientar o trabalho dos professores no sentido de uma prática avaliativa colocada, tanto quanto seja possível, a serviço das aprendizagens” (HADJI, 2011, p. 25).
No segundo capítulo intitulado Compreender que avaliar não é medir, mas confrontar em um processo de negociação, o autor destaca que a avaliação não é uma medida. Medida sendo compreendida como uma operação de descrição quantitativa da realidade. No entanto, pesquisas realizadas de resultados obtidos nos exames baccalauréat na França demonstram que a aprovação de candidatos está também submetida “ao acaso da atribuição a uma banca” (HADJI, 2011, p. 30). De tal sorte, o ponto de vista de que o exame é “uma ciência exata” é completamente rechaçado, pois dependerá, reiteramos, de critérios “subjetivos” definidos pelos diferentes examinadores em questão. Portanto, “as variações de notas, para um mesmo produto, de um examinador a outro, vão bem além do que seria apenas uma incerteza normal devido às condições ‘locais’ da tomada de medida” (HADJI, 2011, p. 30). Para reforçar a questão, o autor cita exemplos de alunos que obtiveram notas péssimas em exames escolares, mas que em concursos nacionais foram premiados com o primeiro lugar na mesma área! Nessa direção, é necessário corrigir os defeitos do instrumento de avaliação. Isso pode ser feito refletindo-se sobre a subjetividade do corretor. Isso implica pensar, por exemplo, nas diferentes representações que o professor tem do aluno ou mesmo da história escolar na qual está inserido. Portanto, o julgamento professoral não se desvincula da prática sociohistórica e ideológica, reiteramos, na qual se insere: “fica claro que é inútil insistir em tomar a avaliação tão objetiva quanto uma medida” (HADJI, 2011, p. 32) em virtude dessa inseparável relação avaliação/contexto histórico. Ademais, é necessário indagar sobre a exata natureza da relação avaliação/avaliado, isto é, precisar com exatidão o que é avaliado. Sendo assim, se a avaliação não é uma medida, o que seria então? Para Hadji, a avaliação é um ato que se inscreve em um processo geral de comunicação/negociação. Em outros termos, a avaliação consiste em uma negociação, uma troca entre avaliador e avaliado. Nessa troca, é necessário destacar que o aluno sofre interferências do contexto também, sendo que seu desempenho será condicionado, em certa medida, a tais circunstâncias. O exame é, pois, o resultado de uma interação cujo desempenho alcançado pelo “aluno” depende das circunstâncias envolvidas no ato. Esse ato é um processo complexo, pois apresenta inúmeras variáveis ligadas às condições sociais. Assim, do mesmo modo que o efeito de categorização é válido para o aluno, ele também vale para o examinador (i.e, a percepção que o examinador tem do desempenho é igualmente dependente do contexto social). É diante desse entendimento que se compreende que a avaliação escolar traduz arranjos em uma dinâmica de negociação: “esses arranjos são o resultado de uma negociação, implícita ou explícita, entre um professor que quer manter sua turma, e alunos que querem alcançar seu objetivo” (HADJI, 2011, p. 39). Fica evidente até aqui que a avaliação não é um instrumento de objetividade, mas “um ato de confronto entre uma situação real e expectativas referentes a essa situação” (HADJI, 2011, p. 41). Assim, a avaliação é uma operação de leitura da realidade – constrói sentidos diante do objeto; é também orientada e que  aponta em que medida o desempenho do aluno é ou não adequado e por fim, a avaliação é também uma leitura orientada por uma grade que expressa um sistema de expectativas julgadas legítimas.
O capítulo 3, último da primeira parte do livro, intitula-se Compreender que é possível responder a três questões pertinentes. Neste, Hadji trata de três hipóteses sobre esse processo: a primeira, em que a avaliação é concebida como um ato sincrético essencialmente baseado na intuição do avaliador; a segunda concerne ao fato de que a avaliação é um ato que tem mais a função de explicar do que de descrever; e a terceira em que a avaliar é fazer agir a descontinuidade dos valores, e não a continuidade das cifras. Hadji destaca que no Canadá ainda se associam medida e avaliação, ou seja, ambas são tratadas como vizinhas. Para o autor, avaliação equipara-se a julgamento; é, pois, um julgamento de valor: “Se avaliar significa atribuir uma qualidade, se há tanto a explicar quanto a descrever, o verdadeiro problema para o avaliador é interpretar o real sobre o qual deve pronunciar-se. Não simplesmente estabelecer uma constatação – o que corresponderia, por exemplo, à ‘medida’ de um desempenho – mas dar conta do que foi observado no âmbito de um ‘sistema de observação’” (HADJI, 2011, p. 61). O autor também pontua a diferença entre prova e avaliação. A prova está ligada ao conformar-se a um modelo de referência, a um a priori de procedimentos e normas. A avaliação, por sua vez, deve-se adequar à realidade dos aprendizes. Hadji traz discussões bem pertinentes também sobre o fato de a avaliação estar ligada (ou não) a valorar/valorização de um objeto. Nesse sentido, não se pode recusar por completo que a avaliação implica valorização e julgamento em certa medida. No último tópico desse capítulo, o autor indaga sobre a necessidade da continuidade de avaliação e pontua “a avaliação no sentido estrito é apenas um auxiliar da ação pedagógica. Isso significa ao mesmo tempo que ela não passa de um de seus componentes e que o importante para os professores-avaliadores é ensinar, isto é, ajudar os alunos a progredirem em suas aprendizagens. É isso que parece afirmar de modo surpreendente, ainda que implícito, a prática de avaliação formadora” (HADJI, 2011, p. 66-67).   
No capítulo quatro, intitulado Agir desencadeando de maneira adequada, Hadji declara que construir um dispositivo de avaliação consiste em determinar algumas condições (por exemplo se a prova será escrita ou oral) e que tal dispositivo precisa ser mais ou menos elaborado. Segundo o autor, o dispositivo é constituído pelo exercício de avaliação e o problema é escolher pertinentemente os exercícios. Assim, sugere-se buscar em um banco de instrumentos coletâneas de exercícios adequados aos professores (HADJI, 2011, p. 78). O passo seguinte é determinar as questões que devem ser respondidas por meio da avaliação, sendo que não há avaliação sem pergunta feita à realidade. É esse questionamento que apontará o caminho que “formará” a avaliação.  Esse questionamento deve ser orientado pelos objetivos de ensino, pautados nos documentos oficiais e institucionais que regem a disciplina em questão. Após a aplicação e correção, deve-se determinar decisões que reorientem o programa de ensino e estabelecer os espaços de observação. Os “espaços” são aqui definidos como cada objetivo operacional ou cada competência especificada. Enfim, é necessário escolher os instrumentos de coleta de dados. Hadji esclarece que o ideal é que o exercício cumpra uma função ad hoc, ou seja utilizado para fins específicos. Na sequência, na última parte deste capítulo, o autor traça uma arquitetura sobre a tarefa de avaliação, as quais apresentam quatro dimensões: o alvo, os critérios de realização, os critérios de êxito e as condições de realização.    
Nos últimos dois capítulos, Agir observando/interpretando de maneira pertinente e Agir remediando de modo eficaz Hadji trata, grosso modo, da avaliação como meio de “remediar” a prática docente. Em nossa opinião, a tradução não é excelente. Há muitas passagens que certamente precisariam ser revistas por outro tradutor, pois às vezes a linguagem se mostra ambígua ou incoerente e de difícil compreensão também, mas o conteúdo do livro é bastante profícuo e útil para aqueles que se interessam pelo tema.  

  
                
                                                                                                                                                                                                                                                       

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